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DIA MUNDIAL DA SAÚDE, O QUE TEMOS A COMEMORAR?
O Brasil tem motivos para comemorar o Dia Mundial da Saúde? Tem e não tem. Diríamos que tem mais a lamentar do que a festejar. A homenagem foi criada em 7 de abril de 1948, pela Organização Mundial da Saúde - OMS, fundamentada no direito do cidadão à saúde e na obrigação do Estado na promoção da saúde. O direito universal à saúde de qualidade, também consagrado na Constituição Federal, é em tese uma garantia de que todos os brasileiros deveriam ser, de forma digna e gratuita, assistidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Todavia, todos sabem que não é isso que acontece. A saúde pública do País, por seu caráter continental, é um tremendo quebra-cabeças cujas peças nunca se encaixam. O sistema não está formatado para atender adequadamente as diferenças regionais existentes. Falta um mapeamento gerencial que permita dar à Nação um retrato verdadeiro da saúde.
As filas em hospitais e postos de saúde ainda são rotina nacional, assim como a carência de medicamentos nas unidades públicas de saúde e o sucateamento de equipamentos nos hospitais públicos são realidades que parecem não encontrar fim. Tudo isso, aliado às condições inadequadas de trabalho e remuneração irrisória de funcionários e dos procedimentos, dá à saúde brasileira um panorama fantasmagórico.
Não bastasse a enorme dívida social que o Brasil tem com seu povo, acumula-se também um antiga e volumosa dívida com a saúde. Em 2000, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 29, até os mais desesperançados chegaram a acreditar que essa situação mudaria. Graças à mobilização dos diversos agentes do setor, como os médicos e os deputados da Frente Parlamentar da Saúde, conseguiu-se vincular as receitas orçamentárias para a saúde nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal.
Passados seis anos, a Emenda Constitucional 29 ainda não foi regulamentada. Esse vácuo legal vem permitindo manobras no orçamento da União e desvios de verbas de forma descarada; não seria exagero dizer criminosa, porque cada centavo desviado de um setor tão vital como a saúde poderia ser usado para tratar as pessoas e salvar vidas de brasileiros que já sofrem com tantas mazelas e gigantescas injustiças sociais.
Mesmo agora, o governo federal enfrenta dificuldades para aprovar o orçamento da União porque não se dispõe a aplicar corretamente as verbas da saúde. À primeira vista, parece uma montanha de recursos, mas é ilusão. Pelas contas do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), de cara faltarão R$ 4,7 bilhões para uma assistência satisfatória. Os atendimentos de alta e média complexidade, a atenção primária e os medicamentos excepcionais serão as áreas mais afetadas pela insuficiência de recursos.
Todas essas deficiências geram um grave problema, uma vez que os precedentes abertos na saúde são aproveitados pelos gestores dos diversos níveis, como por exemplo: nos últimos anos, a participação federal na saúde caiu de 65% para 50%; a maioria dos Estados burla a lei e não aplica o estipulado legalmente e, por fim, virou prática nas três esferas lançar despesas sem pé nem cabeça como se fossem gastos em saúde.
A regulamentação da Emenda Constitucional 29 deve ser encarada como emergencial pela sociedade, pois se trata da única ferramenta capaz de definir o que são verbas de saúde, pondo fim à farra dos desvios. Uma rápida olhada nos programas de saúde de outros países revela, de forma assombrosa, o tamanho do descaso dos nossos governantes. Enquanto no Brasil a aplicação per capita é de 180 dólares (R$ 398), em Portugal os partidos de esquerda estão escandalizados com o governo porque o investimento per capita é de apenas 1.357 euros (R$ 3.637), contra 2.499 (R$ 6.697), na média, dos 25 países da União Européia, que na quase totalidade apresentam carga tributária inferior à brasileira.
Diante desse descalabro da saúde pública nacional, é difícil comemorar com alegria e satisfação o Dia Mundial da Saúde. Brindar de verdade ainda é um sonho que profissionais de saúde, médicos e população brasileira perseguem.
Eleuses Vieira de Paiva, ex-presidente da Associação Médica Brasileira