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HOMENAGEM ÀS MULHERES NO DISCURSO DA AC.DEBORAH PIMENTEL
UMA HOMENAGEM ÀS MULHERES
Discurso proferido por Déborah Pimentel
na sua posse na Presidência da Academia
Sergipana de Medicina em
15 de março de 2006
Autoridades Presentes
Confrades Acadêmicos a quem cumprimento fazendo uma referência especial ao nosso Presidente de honra, Dr. Gileno Lima
Senhoras e Senhores
Meus queridos pais Nazário e Elena Pimentel
Meu marido Jansen, que carrega até no nome, a Paz que me oferece
Caros colegas
Queridos alunos
Meus amigos
Este arroio não volta,
não se detém nunca,
mas enquanto segue
lentamente fabula.
...
E se não volta é porque
sonha até onde vai:
desaguar-se num rio
e com ele no mar.
Mário Benedetti
Nada acontece que não tenha sido antes um sonho
Carl Sandburg
Não faz muito tempo, no dia 14 de outubro de 2003, apresentada pelo meu nobre professor e amigo Dr. José Hamilton Maciel Silva, fui recebida como membro deste sodalício. Era a segunda mulher a chegar nesta casa. Faço questão de rememorar a grande emoção daquela noite especial: ladeada pelos meus pais, familiares e amigos, e recebida, com honrarias jamais sonhadas, por meus diletos confrades, em especial, pelos meus professores queridos. Naquele memorável evento, fui agraciada com o privilégio de freqüentar tão nobre casa e privar da companhia de ilustres imortais, especialmente aqueles com quem passei a conviver mais de perto, aqui dentro, nas nossas reuniões mensais, e que renovam a cada encontro uma acolhida especial e a quem sou imensamente grata pelo reconhecimento e carinho que me são generosamente ofertados.
Naquela oportunidade em que assentei na cadeira n. 34, cujo patrono é o Dr. Theotonílio de Oliveira Mesquita, o meu querido Prof. José Hamilton, no seu discurso de apresentação, citou o grande Guimarães Rosa, talvez como numa profecia, dizendo que a coisa não está nem na partida, nem na chegada, mas na travessia. Eis-me aqui, oh profeta: em plena travessia. Nesta travessia, uma tamanha responsabilidade: levar adiante, com os colegas que compõem comigo esta diretoria, a nobre missão desta casa.
Gostaria de agradecer a confiança de todos pela forma fidalga como fui eleita para este cargo, por aclamação, em um processo que foi elegantemente conduzido de inicio pelos doutores Eduardo Conde Garcia e Lúcio Prado Dias e que coloca, pela primeira vez, uma mulher como dirigente dos caminhos desta importante Academia. Esta posse passa a ser emblemática até por se tratar do mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher. Agradeço, de forma enfática, aos membros desta nova diretoria que ora se avizinha na sua travessia, homens que apostam na capacidade de realização de uma mulher: Dr. José Hamilton Maciel, Dr. Cleovansóstenes Pereira de Aguiar, Dr. Eduardo Conde Garcia, Dr. Lúcio Prado Dias, Dr. Marcos Ramos Carvalho; Dr. William Eduardo Nogueira Soares; Dr. Antonio Samarone de Santana , Dr. Petrônio Andrade Gomes.
A mulher decididamente redimensionou o seu papel e seus espaços, desde a virada do século passado, com algumas conquistas importantes, garantindo e exercendo sua cidadania e avançando inexoravelmente nos últimos redutos masculinos, como a política e até mesmo as Academias.
Em 6 de maio de 1856, em Freiberg, na Moravia (República Tcheca), nasceu Sigmund Freud, um homem que recebeu educação judaica não tradicional e aberta a filosofia do iluminismo e que marcou irremediavelmente a história da humanidade. Freud, sem dúvida, foi o primeiro homem que se interessou em escutar essas criaturas maravilhosas e enigmáticas: as mulheres. Em seus estudos, ele se deu conta que a sua neurótica lhe “traíra”, pois ela falava de uma realidade psíquica e de desejos inconscientes. Assim, Dr. Freud descobriu as fantasias que dominam o imaginário feminino. Em Psicanálise quando falamos em fantasias, nos referimos as fantasias inconscientes e não vamos confundir com devaneios, ainda que as mulheres sejam dadas a sonhar acordadas, sem dúvida uma característica feminina. Mostram-se mais crédulas, mais espontâneas, mais sinceras, mais transparentes, com uma facilidade de falar sobre seus sentimentos, maior que a dos homens e capaz de elaborar projetos e sonhos a médio e longo prazo. As mulheres usam o TEMPO a seu favor.
O poeta Jorge Luiz Borges pergunta:
Com que terá sonhado o Tempo até agora?
Sonhado com a espada, cujo melhor lugar é o verso...
Sonhado com os gregos que descobriram o diálogo e a dúvida...
Sonhado com a felicidade que tivemos ou que sonhamos ter tido...
Sonhado com a ética e com as metáforas do mais estranho dos homens, o que morreu numa tarde, em uma cruz...
Sonhado com o livro, esse espelho que sempre nos revela outra cara...
Sonhado com o número da arena...
Sonhado com o jasmim que não pode saber que com ele sonham...
Sonhado com os passos do labirinto...
Sonhado com o nome secreto de Roma, que era a sua verdadeira muralha...
Sonhado com a vida dos espelhos...
Sonhado com mapas que Ulisses não teria compreendido...
Sonhado com o mar e com a lágrima.
Sonhado com o cristal.
Sonhado que ALGUÉM com ele sonha
Sim, caríssimos amigos, sou uma sonhadora e não desconheço o TEMPO e sei do valor de se partilhar sonhos com ALGUEM.Como agora, com os senhores, neste exato momento.
Sei da importância dos sonhos quando aliados a capacidade de criação e atitudes no seu devido TEMPO, gerando realizações. Busco de forma entusiasta realizar todos os meus sonhos e conclamo os meus confrades a se deixar contaminar pela minha motivação aos novos desafios e metas que proponho dentro da Academia, na nossa gestão. Alguns, simples de serem realizados, como os que citarei em seguida, e outros, vôos mais altos, que para a sua consecução se farão mister o apoio de governantes, quer municipal quer estadual, a quem neste momento solicitamos atenção especial, pois o maior papel desta Congregação é preservar a história da medicina em nosso estado e um governo precisa fomentar instituições que sejam guardiãs da memória do seu povo e de suas realizações e conquistas, principalmente no campo intelectual e científico. Daí a importância de, na nossa gestão:
- Publicar através do Núcleo de História da Medicina da ASM um Dicionário de Nomes da Medicina em Sergipe, certamente um projeto ousado que envolverá a participação de dezenas de pessoas, sob a coordenação de Dr. Antonio Samarone e que consumirá mais tempo que a nossa gestão, mas cujos trabalhos temos a intenção de iniciar e tentar levar, Oxalá, a bom termo;
- Rever os nossos estatutos, guiados pelo Dr. Cleovansóstenes Pereira de Aguiar, criando e instituindo uma Comenda Honoria Causa;
- Fazer um resgate do acervo do Museu da Medicina, digitalizar material e documentar os registros através de uma publicação, tarefa de uma equipe que será comandada por Dr. Lúcio Prado Dias;
- Criar um programa para catalogar o acervo da nossa biblioteca e nossos arquivos.
- Publicar os Anais da Academia, valioso patrimônio cultural e histórico em uma tarefa liderada pelo Dr. Petrônio Andrade Gomes;.
- E finalmente estabelecer novos contatos e renovar os laços com instituições e entidades maiores, a exemplo da SOMESE, que sempre foi a maior parceira deste sodalício, nos abrigando, inclusive, em suas instalações, tal qual, impossível fugir desta metáfora, uma mãe zelosa que faz maternagem e acolhe um filho querido nos braços. Neste momento prestamos a nossa homenagem à Sociedade Médica de Sergipe que tem sido de grande sensibilidade e prestimosa atenção abraçando as causas e as necessidades da Academia Sergipana de Medicina. Nós somos extremamente gratos à Sociedade que o Dr. Roberto Queiroz Gurgel conduz e a forma generosa com que ele atende nossas demandas. Em uma oportunidade como esta faz-se mister agradecer também entidades parceiras como a UNIMED, que através do seu Diretor-presidente, Dr.Carlos Alberto Mendonça, não mede esforços para apoiar as nossas iniciativas.
Como percebem, senhores, usando as palavras de Garcia Lorca, lhes digo que...
Nosso ideal
não chega às estrelas.
É sereno, simples; quem dera poder fazer mel, como
Abelhas, ter doce voz ou forte grito,
fácil caminhar sobre as ervas...
E se antes atrelamos os sonhos às mulheres, voltemos ao tema. Afinal, o que é ser mulher? Quem sabe o que quer uma mulher? Quais são os seus desejos? O que a faria feliz? O que motiva uma mulher a tantas frentes de trabalho? Quem se arrisca a decifrar este enigma que é a mulher?
Em 1899 em carta ao seu amigo Fliess, Freud dizia não saber o que fazer com as mulheres, sinônimo de perigo e desistiu de decifrá-las. Disse, em outra oportunidade, que deixaria a tarefa para outros psicanalistas, quem sabe uma mulher. Jacques Lacan, psicanalista francês, também concluiu ser tarefa impossível e disse que não existe nenhum significante que diga o que é uma mulher e que portanto, a mulher não existe . E porquê a mulher, no dizer de Lacan, não existe, haja poesia para dizê-la.O certo é que somos incansáveis, inquietas, criativas, destemidas. E mais, nada que foi visto, dito, ouvido, bastam para expressar a mulher.
Napoleão Bonaparte, grande estrategista, certa feita disse: geografia é destino. Freud plagiando-o, afirmou em referência às mulheres: anatomia é destino. Por algum tempo, parece que essa máxima fazia sentido, ao menos no que dizia respeito às diferenças sócio-culturais.
Para nossa sorte surgiram aquelas que rompiam as barreiras sociais e ao transgredir abriam novos caminhos. Viva as transgressoras. Mulher certinha não faz história. Hoje, cabe a nós mulheres, reconhecer outras escolhas de destino.
E o que não faltam são exemplos de mulheres que fizeram história e abriram com suas conquistas e essencialmente, coragem, caminhos, que hoje usamos na nossa travessia.
Já realizei algumas palestras falando da condição feminina na contemporaneidade e sempre gosto de ilustrar falando de uma mulher especial que certamente os senhores nunca ouviram falar, salvo estudiosos da nossa história, como o confrade Samarone ou o amigo querido Luiz Antonio Barreto. Aproveito este momento e lhes rendo homenagens pelas suas contribuições e resgates da nossa história recente. Mas eu lhes falava de uma mulher. Trata-se de Ana Pimentel, que como todos desta família, é também descendente dos “Pimenta” de Travanca e Évora e que teve
Não, senhores, decididamente nunca ouviram falar
A incumbência de administrar a capitânia foi passada a Ana Pimentel, sua mulher, através de uma procuração datada de 3 de março de 1534. Lembrem-se, senhores, que as únicas capitanias que deram certo foram as de São Vicente e a de Pernambuco, não por uma coincidência, mas também porque foi administrada por outra mulher forte ao lado do marido, Duarte Coelho, dona Brites.
Pois bem, dona Ana Pimentel ficou sozinha no Brasil por mais de uma década e é a ela que se deve o sucesso daquela capitânia.Contrariando as ordens do seu marido, transgredindo portanto, autorizou o acesso dos colonos ao planalto paulista onde se encontravam terras mais férteis e um clima mais ameno do que o litoral. Ana fez vir mudas de laranjeiras de Portugal e providenciou o cultivo da laranja na capitânia, de modo a combater o escorbuto – doença provocada pela falta de vitamina C que atacava os embarcados durante a travessia do Atlântico. Também é atribuído a Ana Pimentel a introdução do cultivo do arroz, do trigo e da criação de gado na região.
Existem centenas de outras histórias de mulheres pioneiras neste Brasil lindo e trigueiro. Citemos as histórias ligadas à Medicina:
Mulheres como Maria Augusta Generoso Estrela, nascida no Rio de Janeiro, cujo pai, representante comercial de laboratório farmacêutico propiciou-lhe educação exemplar e apoiou as suas iniciativas, permitindo que ela partisse em 1875, para os Estados Unidos, aos 16 anos para graduar-se em Medicina, haja vista no Brasil, ela, por sua condição feminina ter sido impedida de estudar. O seu caso teve grande repercussão na imprensa. O imperador Dom Pedro II, por meio de decreto, colaborou financeiramente com a sua formação custeando seus estudos nos Estados Unidos. Ainda, como desdobramento, houve uma reforma do ensino aprovada no parlamento em 1879 que permitiu que as mulheres tivessem acesso aos cursos superiores. As primeiras mulheres a se matricularem na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foram Ambrosina Magalhães e Augusta Castelões, que não concluíram o curso, além de Rita Lobato Lopes que iniciou os estudos na mesma instituição em 1884, transferiu-se para a Faculdade da Bahia onde se formou em 10 de dezembro de 1887.
Vale a pena citar Dra. Carlota Pereira de Queirós, paulista e que se graduou em Medicina em 1926 e tornou-se a primeira deputada federal da América Latina em 1933. Participou dos trabalhos na Assembléia Nacional Constituinte, integrando a comissão de Saúde e Educação. Elaborou o primeiro projeto brasileiro sobre a criação de serviços sociais no Brasil.
Outra ilustre médica foi a psiquiatra Dra. Nise da Silveira, alagoana, que se formou em 1927 na Faculdade de Medicina da Bahia. Mudou-se para o Rio de Janeiro e após seis anos como médica interna no Hospital da Praia Vermelha e Militante da Aliança Nacional Libertadora foi denunciada como comunista depois da revolta de 1935 e presa por 16 meses. Em 1946 fundou a Seção de terapia Ocupacional no Centro psiquiátrico Pedro II e este seu trabalho pioneiro é hoje reconhecido internacionalmente. Recebeu, nos anos 1950, elogios de um dos mais famosos psiquiatras, o suíço Carl Gustav Jung, que se tornou seu correspondente. A produção artística dos internos, resultante do trabalho da Dra. Nise foi reunida no Museu de Imagens do Inconsciente fundado por ela em 1952.
Em Sergipe, a grande pioneira - primeira mulher a se formar em Medicina foi a Dra. Ítala Silva Oliveira, que foi estudar na Faculdade de Medicina da Bahia e lá se graduou em 27 de novembro de 1927. Mulher de vanguarda, conquistou espaço na imprensa sergipana e escrevia acerca dos direitos da mulher, em especial lutou pelo voto feminino, conquistado em 1932 no Governo de Getúlio Vargas.
Avançando mais um pouco chegamos no registro da fundação da nossa Faculdade de Medicina aqui em Sergipe com a graduação da primeira turma há 40 anos. Naquele primeiro grupo de graduandos, a presença de quatro grandes mulheres: Dra. Maria Rosa da Silva Mendonça, Dra. Lydia Mesquita Salviano, Dra. Simone Moura Matos e a Acadêmica Dra.Zulmira Freire Rezende. A estas mulheres o nosso tributo.
Naquela ocasião, elas tinham, entre seus professores, duas mulheres, a Dra. Anaide de Freitas Araujo, professora de Bacteriologia e a Dra. Clotilde de Lurdes Branco Germiniani (professora das aulas práticas de Fisiologia). Também rendemos homenagens a estas mulheres inesquecíveis.
A psicanálise teve o efeito de dar voz ao feminino não só através das clássicas histéricas freudianas, como de todos aqueles – Homens e Mulheres- que admitiram e desejaram falar o que neles era o “Oculto”, o “Misterioso”, o “Enigmático” ou o “Feminino”
É preciso reconhecer a demanda das mulheres em busca de um discurso próprio que promova sua subjetivação e deixe de ser objeto de uma produção discursiva massiva, que diz o que ela é.
Feminilidade pode ser considerada como uma modalidade essencial do psiquismo feminino, ao admitirmos que a anatomia é determinante do sentimento do corpo através do qual somos entregues ao nosso destino sexual. Mas, inegável que a feminilidade também se encontra, ainda que parcialmente no homem, pois afinal a construção do aparelho psíquico se funda sobre os emaranhados identificatórios dos objetos de amor paterno e materno. Para além da mínima diferença anatômica que nos distingue, as possibilidades de identificação entre os campos não têm limites.
Parabéns aos homens que conseguem dividir sem competição e rivalidade seus espaços com as mulheres. São sábios. Aprendi, dentro da minha casa, com os meus pais Nazário e Elena Pimentel que homens e mulheres,devem ser conscientes que só a diferença promove o crescimento. Respeito e tolerância são elementos promotores de um bem estar, em uma troca afetiva, onde ambos são essenciais e irremediavelmente complementares. Obrigada papai, obrigada mamãe, por este e outros exemplos que vocês sempre nos deram, como a ética, fidalguia e elegância com os amigos, foco e investimento nos objetivos, otimismo, perseverança e sonhos, muitos sonhos. Eu e minha irmã Kátia, temos muito orgulho dos pais maravilhosos que vocês são. Decididamente vocês são os responsáveis maiores pelas minhas conquistas, inclusive esta que se materializa como um grande desafio. Vocês estimularam os meus sonhos e me deram instrumentos para que eu buscasse realizar cada um deles. Esta noite é consagrada a vocês dois.
Usando o Salmo 139 faço minha prece final:
Senhor Deus, tu chegas ao mais profundo de mim e me conheces por dentro. Sabes quando me detenho ou quando não sei o que fazer; entendes minhas ilusões e meus desejos como se fossem teus; em minha travessia puseste uma trilha, em meu descanso tu sentaste a meu lado; tocaste todos os meus projetos e sonhos palmo a palmo.
Que Deus abençoe a nossa missão nesta Academia. Que Deus abençoe a nossa travessia.
Muito obrigada!